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Brasil - Embraer - Frederico Curado: ninguém tem culpa pelas demissões

José Paulo Kupfer, colunista do iG

Uma queda vertical na demanda por seus aviões levou a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) a promover um corte em massa de empregados. De uma só vez, em fevereiro, a empresa anunciou a dispensa de 4,2 mil funcionários, um contingente equivalente a 20% de seus 22 mil colaboradores.

A dispensa, não só pelo volume, mas pela aura que envolve a terceira maior indústria aeronáutica do mundo e maior exportadora brasileira de produtos de alta tecnologia, transformou-se em um caso político. O chamado “caso Embraer” envolveu o governo, à frente o próprio presidente Lula, e o Judiciário. O Tribunal Regional do Trabalho, de Campinas, suspendeu as demissões, no que foi considerado por muitos uma interferência indevida nos negócios de uma empresa privada, e convocou uma reunião de conciliação entre a Embraer e os sindicatos que representam seus trabalhadores, para esta quinta-feira.

No centro dos acontecimentos está Frederico Curado, de 47 anos, presidente da Embraer. Engenheiro aeronáutico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ele é funcionário da Embraer há 24 anos, foi diretor por mais de dez anos da empresa, desde a privatização, e há dois anos é o presidente.

Em entrevista exclusiva, por telefone, ao colunista do Último Segundo José Paulo Kupfer, Curado explicou as razões da Embraer para o corte em massa. “Não existe culpado neste caso, além da crise internacional”, resumiu ele. A seguir os principais trechos da conversa:

iG - O presidente Lula foi ou não foi avisado com antecedência das demissões?
Frederico Curado -
O governo estava informado de que a Embraer faria o corte. Autoridades de Brasília confirmaram depois, publicamente, que pessoas do governo estavam informadas. Não sabemos o que ocorreu daí em diante.

iG - Houve ou não houve contatos com os representantes dos trabalhadores da Embraer, com os sindicatos, antes do anúncio das demissões?
Curado -
Nossos contatos com os sindicatos são contínuos, mas, efetivamente, no caso das atuais 4.200 demissões, não tivemos com eles nenhum processo de discussão, nem apresentamos o nosso plano antes do anúncio dos cortes.

iG- O fato de não ter havido contatos e negociações anteriores ao anúncio dos cortes não foi um erro?
Curado -
Na nossa visão não foi um erro. Uma eventual discussão prévia com os sindicatos não teria como se dar a partir de possibilidades realistas. Achamos que não faria sentido negociar uma redução de jornada de 30% durante dois anos. Nosso objetivo foi proteger a companhia, assegurar os 17 mil empregos remanescentes. Nos últimos seis ou sete anos, contratamos 10 mil pessoas. Trouxemos gente, motivamos, agregamos, investimos no pessoal. Infelizmente, não conseguimos sustentar tantos trabalhadores no momento. Mas, dos 10 mil novos empregos que geramos, nos últimos anos, conseguimos manter pelo menos seis mil.

iG - A Embraer tem certeza de que os cortes terminaram?
Curado -
Não temos nenhum plano hoje de fazer novos cortes, mas seria completamente irresponsável garantir, agora, que não teremos novos ajustes ou que voltaremos a contratar em um ano ou dois. Ninguém sabe se o fundo do poço já chegou e quanto tempo levará até a recuperação da economia mundial. Esses são movimentos da vida. Em 1997, a Embraer tinha pouco mais de três mil funcionários. Já teve 22 mil e, hoje, está com 17 mil. Em 2001, dispensamos, proporcionalmente, quase o mesmo número de funcionários que agora. Dois anos depois, tínhamos restaurado o nível de emprego. E boa parte dos demitidos voltou. Qualquer empresa tem de ter o objetivo de crescer. Hoje enfrentamos dificuldades, mas faz 11 anos que mantemos a empresa lucrativa.

iG - A Embraer exporta praticamente toda a sua produção. Mais de 90% do produzido, em 2008, foi comercializado fora do Brasil. Essa dependência absoluta do mercado externo não indica que o modelo de expansão da Embraer resultou em um empreendimento muito vulnerável?
Curado - O fato de mais de 90% de nossas receitas serem provenientes do exterior não é uma opção estratégica em si mesma. É consequência da baixíssima demanda do mercado nacional. Se a Embraer fosse focar no mercado nacional, ela teria um décimo do tamanho que tem hoje. Talvez nem tivesse sobrevivido. Até um ano atrás, essa forte vinculação com o mercado externo era considerada uma coisa fantástica. Não era fator de vulnerabilidade, mas, ao contrário, um dos maiores trunfos da companhia.

iG - Agora que, digamos, a porta foi arrombada e a estratégia de internacionalização mostrou seus furos, a Embraer vai mudar seu plano estratégico? Vai, por exemplo, focar mais em mercados de nicho, de aviões menores, vai tentar algumas novas parcerias com empresas que operam no Brasil e com o governo brasileiro? Ou vai apenas procurar se adaptar aos novos tempos de menor exuberância no mercado exterior?
Curado -
Não haverá mudança de estratégia. Já vínhamos trabalhando na diversificação de base de clientes há tempos. Nossa dependência do mercado americano já foi de 65%, hoje é de 40%, e com tendência a reduzir ainda mais. Abrimos e aumentamos a carteira de clientes na Ásia, Oriente Médio e América Latina. Também deixamos de focar tanto na aviação comercial, que sempre foi o nosso carro-chefe, e investimos na área da aviação executiva. Um terceiro ponto importante da diversificação é o segmento de defesa. Nesse campo, saímos de uma posição de baixíssima demanda governamental e conseguimos crescer. A Força Aérea tem implementado uma política de reaparelhamento de suas aeronaves e temos conseguido crescer com novos contratos com as Forças Armadas. Mas são todos movimentos de médio e longo prazo.

iG - O governo tem feito o que poderia - e o que deveria fazer - no caso da Embraer?
Curado -
O governo tem nos apoiado dentro das suas possibilidades. Mas é importante entender que o suporte de dinheiro, capitalização e financiamento não substitui o essencial, que é a demanda. Com o governo, temos contratos de modernização dos caças F-5, contratos do ALX – 99, aeronaves para patrulhar a Amazônia – que já vão a meio caminho, também de modernização do AMX. Nossa grande esperança, em termos de novos produtos, é o avião cargueiro C-390, um produto novo, a respeito do qual estamos em discussão com o governo. Esse é o tipo de colaboração correta porque o governo não vai comprar o que não precisa e muito menos pagar um preço inadequado.

iG - O governo, então, fez o que deveria fazer?
Curado -
Eu acho que sim. A relação entre Embraer e governo federal é de negócios. O governo tem sido apoiador. Mas o governo também compra no exterior. Temos perdido concorrências. Perdemos uma, há dois anos, de um avião-patrulha.

iG - Nessas concorrências, o fato de um dos competidores ser brasileiro e oferecer empregos no Brasil não conta mais pontos?
Curado –
A concorrência do avião-patrulha foi um exemplo de que não há proteção paternalista em relação à empresa.

iG - Não se trata de proteção paternalista, mas de uma política estruturada de compras públicas, como há em qualquer país de grandes dimensões e economia diversificada.
Curado -
Concordo que tem de haver políticas desse tipo. Mas nada evita a necessidade de sermos competitivos. Não podemos imaginar que qualquer coisa que a gente fabrique será, obrigatoriamente, comprada pelo governo. É bom também não esquecer que, com todo o orçamento da Defesa e todos os projetos da Força Aérea, isso não representa nem 10% da receita da empresa. Não podemos imaginar que o País consiga, no tempo que a gente precisa, sustentar o crescimento da Embraer.

iG – Então, ninguém errou nessa história toda?
Curado -
Eu não sei se é uma questão cultural, mas para tudo estamos sempre à procura de um culpado. Nesse caso, ninguém tem culpa. A empresa não é culpada, o governo não é culpado, o Brasil não é culpado.

iG - Não há culpados, mas há vítimas...
Curado -
Esse papel de vítima também temos de colocar na perspectiva correta. Essas pessoas que foram demitidas não saíram de uma situação excelente e vieram sofrer com a gente. As pessoas foram treinadas, evoluíram na empresa. Estão saindo melhor do que entraram, mais qualificadas. A pergunta é a seguinte: os demitidos preferiam não terem sido contratados antes? O fato é que, se tivéssemos contratado seis mil em lugar de 10 mil, não estaríamos passando por isso agora.

iG - Qual é o perfil desse grupo de 4,2 mil demitidos? Quantos são operários de chão de fábrica, quantos são engenheiros, quantos são executivos de área corporativa?
Curado -
Dois terços são diretamente os chamados chão de fábrica. Um terço, pessoal administrativo. A parcela de engenheiros é pequena. Em relação às lideranças, eliminamos um nível de gerência. Onde havia duas categorias de gerente, passamos a ter apenas uma.

"Essas pessoas que foram demitidas não saíram de uma situação excelente e vieram sofrer com a gente. As pessoas foram treinadas, evoluíram na empresa. Estão saindo melhor do que entraram, mais qualificadas"

iG - Quais os critérios utilizados para o corte?
Curado -
A decisão foi compartilhada. A definição do corte foi coletiva. Fundamentalmente, pesou o nível de qualificação. Além disso, foram incluídos funcionários que já estavam aposentados e continuavam trabalhando. De outro lado, tomamos cuidado com os parentes, para não incluir gente da mesma família na lista.

iG - Quantos diretores foram cortados?
Curado –
Fizemos ajustes na diretoria bem antes do atual corte. No segundo semestre do ano passado, cortamos vice-presidências, diretores e um certo número de gerentes.

iG – Por que não foram adotadas alternativas diferentes, como, por exemplo, um PDV, programa de demissão voluntária?
Curado
- O PDV tem um problema fundamental de controle do processo. Julgamos que, com alguma coisa semelhante a um PDV, não teríamos como garantir a qualidade da produção, nem a rentabilidade do negócio. Mas é preciso ficar claro que a lista não foi feita às pressas, a partir do nada. A Embraer tem um sistema de avaliação permanente de pessoal e conhece o seu pessoal. Tínhamos as ferramentas para escolher quem dispensar, para garantir ao máximo a continuação do negócio.

iG - Quando a Embraer percebeu que teria de fazer um corte tão drástico?
Curado
- O primeiro sinal surgiu no começo do terceiro trimestre. Em novembro, já estava claro que não teríamos o crescimento previsto. Enviei inclusive uma mensagem aos funcionários, avisando que a situação estava complicada, mas que redobraríamos os esforços para garantir as metas traçadas. Naquele momento, jornais publicaram que tínhamos um plano de ajuste já elaborado. Mas isso não era verdade. Ainda tínhamos a esperança de obter até um aumento de produção em certos segmentos. E, realmente, conseguimos terminar dezembro razoavelmente bem. O ano de 2008 não foi efetivamente ruim para nós. Agora, na virada do ano, a coisa virou com uma velocidade incrível. Só em janeiro tivemos canceladas encomendas de dez aviões Legacy. Produzíamos 40 aviões deste modelo por ano. Em 2009, não imaginamos entregar nem a metade desse volume. No agregado, como divulgamos, tivemos uma queda de 30% na demanda.

iG - Por que as companhias aéreas brasileiras não compram aviões da Embraer?
Curado
– A resposta está no modelo de aviação civil que desenvolvemos. Apesar de ter um bom número de aeroportos, o Brasil perdeu, nos últimos 20 anos, a capilaridade da rede existente, em rotas comerciais. De mais de 300 aeroportos ativos, há 20 anos, hoje não são 180. Esse fato confirma que o modelo de aviação civil no Brasil está focado em grandes troncos. Existe pouca demanda por rotas de menor densidade para aviões com até 120 assentos, que é justamente para as quais a Embraer dispõe de produtos. Para dar uma ideia, nos Estados Unidos, a aviação regional, operada por aeronaves com até 120 assentos, representa 40% do total. Na União Europeia, esse número é por volta de 35%. Aqui, no Brasil, a percentagem é ínfima, em redor de uns 10%.

Dados da Embraer em Números Data 11 Dez 08




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